
Acho que se fizéssemos recortes em várias músicas, filmes e livros... Se reuníssemos personagens suficientes, seria possível, ao menos, um esboço fajuto do que somos e de como nos sentimos sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre as coisas... sobre o mundo e a vida.
As vezes ouço Djavan e gosto quando ele canta que “nem que eu bebesse o mar, encheria o que eu tenho de fundo” ou “sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar... sabe lá”.
Também é legal quando Legião canta “que é só você que tem a cura pro meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”... e canta ainda “eu tenho andado distraído, impaciente e indeciso, e ainda estou confuso só que agora é diferente... quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar para todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém... me fiz em mil pedaços pra você juntar e queria sempre achar explicação pro que eu sentia.. mas não sou mais, tão criança, a ponto de saber tudo....já não me preocupa se eu não sei porque, as vezes o que eu vejo quase ninguém vê, eu sei que você sabe quase sem querer/mesmo sem saber, que eu quero o mesmo que você/que eu sei o mesmo que você... (Essa é covardia, né?)
E tem ainda Adriana Calcanhoto dizendo que anda pelo mundo prestando atenção em cores que não sabe o nome... E Vinícius de Morais ensinando que quem já passou por essa vida e não viveu, pode ter muito, mas sabe menos... E aí entra Cazuza... com metamorfoses ambulantes, exagerado como sempre... Seguido por Raul Seixas e aquele papo de que “às vezes você me pergunta por que que eu sou tão calado...”
Na literatura, nos filmes, nas outras pessoas... Estamos buscando identidade, estamos desesperadamente aflitos por coincidências e semelhanças. Por que expor tanto de nossos sentimentos, nossos momentos? Seja no Twitter, Orkut, ou sei lá mais onde?!
Para satisfazer aquele desejo secreto que sentimos de que alguém nos procure e diga: “A-há! Te achei! Eu entendo!”...
Porque precisamos de aceitação, porque temos necessidade de compartilhar o que somos e como somos com as pessoas... Porque é um alívio, mesmo que não percebamos, quando ninguém fala que somos absolutamente freaks... Ou se nos chamam de freaks, loucos, extraterrestres, é com um “quê” de admiração, de cumplicidade... Ufa!
Tem uma música de Pitty em que ela fala: “até parece que você já leu meu manual de instruções porque desvendava os meus gestos...” (algo assim..)
Talvez, secretamente, tenhamos tanto desespero e curiosidade para nos entendermos, nos encontramos dentro de nós mesmos, que buscamos alguém, algum lugar, alguma forma de recuperar esse tal manual de instruções... e quem sabe não pudéssemos entregá-lo aos que queremos que nos amem? Mães, pais, amigos, filhos, namorados, esposas, primos, colegas... E aí não teriam mais desculpas para nos decepcionar ou magoar.. Porque saberiam com exatidão, através da leitura desses preciosos manuais, que botões apertar, que gestos escolher, que verdades e que mentiras contar... Será que esta seria a solução? A cura? O fim da sede?
Lamento muito gente... mas só posso concluir que tudo isso serviria apenas para que encontrássemos novas fontes de dúvida e insegurança. Com um manual, nasceria a convicção de que “só pode ter ocorrido um equívoco, um atraso na atualização”... “e se eu for exceção, e se trocaram meu manual por outro... e se vim com um defeito e esse manual não me serve?” E encontraríamos ou comporíamos novas músicas... apreciaríamos novas personagens... continuaríamos insatisfeitos...
É muita gente, é pouca gente. É muito barulho, é pouco barulho. É muito peso, é pouco peso. É muito tempo, é pouco tempo.
É da nossa natureza. Precisamos do nosso mundinho. Como na canção de Guilherme Arantes: “eu que tinha tudo hoje estou mudo, estou mudado... daria tudo por meu mundo e nada mais”.
Fazemos de tudo para garantir um lugar no Mundo.. mundo mundo mesmo... E quando conseguimos.. achamos que nos tiraram a privacidade, a liberdade, a identidade... Moral da estória? Não existe A moral da estória... cada um tira o seu! Simples assim...
O “não saber” e o “poder fantasiar” são dádivas! É a incerteza que alimenta a esperança. Por isso temos motivação de continuar buscando... de insistir em conhecer a nós e aos outros.. em nos dar a conhecer!
Se alguém encontrar meu manual de instruções... por favor.. nem me conte! Faz o seguinte: cuida bem dele... e de vez em quando me chateia, só pra eu não desconfiar! Não quero fazer o papelão de surtar pra provar a alguém que sou “in-conhecível”. Principalmente se esse alguém for eu.