terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Santíssima Trindade de Vinícius de Moraes - 19/10


Devo não nego, pago quando puder! Pois hoje tô me sentindo na obrigação de pagar. Hoje É aniversário de Vinicícius de Moraes. Não seria se ele tivesse morrido, mas como isso seria possível? Vina sempre viverá! Através de suas obras, através de seus fãs, das histórias que inspirou, das pessoas que envolveu! Em mim é eterno enquanto eu dure, e eu serei sempre a estrela derradeira no infinito de nós dois.
De todas as coisas espetaculares, incomparáveis, inenarráveis que o poetinha escreveu, dificilmente seria possível eleger prediletos. Entretanto, vou ousar e direi aqui que existem os obrigatórios. Não posso transcrever todos eles, que passam pelos sonetos, pelas canções, pelas poesias simples... É quase que um impulso irresistível! Aaah! Não resisto! Para não falar dos clássicos como Soneto da Separação, da Fidelidade, do Amor Maior... por favor... não deixem de ler Ternura e o de Carnaval. Sou apaixonada neles. Não deixem de ver Dialética e Poema Enjoadinho, de saber apreciar Epitáfio nem mesmo Feijoada à Moda. As canções dificultam ainda mais uma seleção, mas Eu Sei Que Vou Te Amar é imperativa... e Eu Não Existo Sem Você, pelo menos pra mim... é inefável. E como não falar no Samba da Benção, Se Todos Fossem Iguais A Você.. e lá vem outro golpe baixo: Chega de Saudade?
Ah, Vina! Ah , poetinha... será que todo poeta só é bem grande se sofrer? Eu só sei que não há Duda sem Vina... isso é certo! Tantas vezes me consolou... tantas vezes foi a melhor maneira que eu tive de me expressar e de me compreender.... de colocar meus sonhos em palavras, meus gestos em versos... meus trejeitos em frases!
Mas de tudo que é obrigatório se conhecer do meu poetinha amado... a Santa Trindade é especial pra mim. Porque é a minha oração pessoal, é como eu invoco Vinicius pra dentro do meu EU e nós ficamos lá! Dois chapas! Falando o mesmo idioma, gostando das mesmas coisas... e eu tenho certeza absoluta que se existe uma pessoa que me entende nesse mundo, esta pessoa se chama Vinicius de Moraes, é poeta, me emprestou parte de si, para que eu pudesse nesse pedacinho dele, conhecer uma parte de mim também!
Somos librianos. Intensos, indecisos, amantes do AMOR. Sofredores contundentes. Farristas convictos. Somos dois barcos à deriva... E somos duas luzes fixas no horizonte. Tudo ao mesmo tempo. Somos duas pessoas. Três.. Cinco. Sete. Dez pessoas! Somos próximos de Deus. Somos distantes de você. Somos ligados em todo o mundo. Vivemos cada noite como se fosse a última e cada manhã como se fosse a primeira. Somos librianos. Somos a balança, mas não o equilíbrio. A balança dá equilíbrio, ela não SE equilibra. Somos o que somos, não importa o que você diga. Ele é um fiel cavalheiro. E eu uma menina com uma flor. E somos felizes na infelicidade. Porque amamos o contraditório. E somos inquietos na espera pelo AMOR a quem amamos, mas desconhecemos. Porque nos alimentamos de sonhos e da felicidade de amar em paz.
Vou transcrever os três textos de Vinícius de Moraes que representam esta Santíssima Trindade da qual falei. A chamo assim porque são textos interligados entre si. O terceiro deles faz alusão aos dois primeiros. Então, a peculiaridade deles, é que é preciso que se conheçam os dois primeiros antes de ler o último. São, na verdade, dois deles, bem famosinhos e conhecidos! O retardatário é que não é tão popular, e vem fechando a Santa Trindade, selando o compromisso entre os três, demonstrando que o fiel cavalheiro, para chamar a menina com uma flor de "minha namorada", tem que saber viver um grande amor... e saber encontrá-la, nessa selva escura e desvairada.


Para viver um grande amor
 
Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor.
Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica, e gostosa, farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor. (hahahahahahahhaha)
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor.

 Minha namorada

Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser

Você tem que me fazer um juramento

De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer

E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê

Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer

Você tem que vir comigo em meu caminho

E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois
 


Para uma menina com uma flor

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.
E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.
E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara– na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.
E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre as marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.



Obrigada Vina, pela companhia em todos os momentos bons e ruins! Já tive vontade de mudar o nome de Teddy pra Nounouse! hahahahahahaha Obrigada por me fazer sentir uma menina com uma flor. Feliz dia 19 de outubro de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário