Há uns dias venho com uma "montagem" engraçada na cabeça.
É como se fosse um filme...
Vou tentar colocar assim: faz de conta que existe um lugar muito psicodélico, maravilhoso, fantástico que todo mundo tem curiosidade de ver. Mas o grande problema é que depois que alguém parte pra lá, nunca mais volta. Nunca mais se ouve notícias dessa pessoa.
Mesmo assim, os rumores são de que a vida lá é muito boa, tão boa que ninguém volta. Tão boa que ninguém se preocupa em mandar notícias. Tão boa que não existem palavras capazes de descrevê-la. É como se você pudesse ser quem sempre quis, amar e ser amado, ter felicidade, nunca mais ter medo, frio, fome.
Algumas pessoas clamam que em seus sonhos conseguem ter visões de como é lá... mas mesmo assim não conseguem pôr em palavras. Normalmente essas pessoas, depois que têm esses sonhos, se põem a se preparar para a jornada... não conseguem pensar em nada que não seja ir até lá.
Só que tem um problema...
Você deve estar se perguntando aí: "Ué! Por que toooodo mundo não corre pra lá, então? Por que não vai todo mundo de uma vez pra esse lugar e pronto?"
Pois é.
Esse é o problema.
Quase ninguém consegue ir.
A maioria esmagadooooora das pessoas tem muito medo do desconhecido. A grande maioria dos seres humanos se "péeeeela" de medo de ser feliz, de amar, de sofrer, de se decepcionar, de mudar. E então começam os processos de GANHO de tempo.... os adiamentos. As desculpas que inventam supostamente pros outros, mas que, na verdade, são pra eles mesmos. A isso se chama auto-sabotamento. O detalhe é que nem sempre o "sabotado-sabotador" se dá conta tãããão cedo do que está acontecendo...
A pessoa se convence de que está ganhando tempo antes de tomar uma decisão importante como essa de correr atrás de uma vida nova de sonhos! Afinal, ninguém nunca voltou de lá... e se não for nada disso? E se eu largar minha muito-perfeitamente-sossegada-e-conhecida-vida e quebrar a cara? Preciso PLANEJAR isso tudo com muita calma. Preciso ganhar tempo, ter certeza, me organizar direitinho.
E então começa um ciclo de PERDA de tempo, perda de vida, perda de SI mesmo... Sabe quantas vezes essa pessoa vai saber o que se esconde no final do arco-íris? Quantas vezes vai largar tudo e se "danar no meio do mundo"? A-háááá! Pois é. Nenhuma.
Estou lendo um livro muito interessante de um psiquiatra brasileiro maluco (no bom sentido da palavra) chamado Flávio Gikovate. Tem horas que eu penso cá comigo... Gikovate? VATE.. "Vá! VÁ-TE danar! Doido!" hahahahaha Puuutz! É que estou gostando do livro! :) Ele joga cada coisa na cara da gente... Uma dessas coisas, que NÃO é tema do livro que estou lendo, diga-se de passagem, é que temos um medo petrificante de sermos felizes. Outra coisa, que é tema do livro que estou lendo, é sobre uma coisinha que o Gikovate chama de "fator antiamor".
Pois bem. Segundo o meu caro psiquiatra, nós desenvolvemos o fator antiamor dentro de nós pra evitar o óbvio: amar. E em razão das travas e seguranças alimentadas pelo fator antiamor sempre destacamos os defeitos e as diferenças entre a gente e o outro. Nem a paaaaau que ousamos mudar nossa vida, sair do nosso conforto, do conhecido - mesmo que não sejamos felizes - pra ousar tudo diferente e nos jogarmos numa aventura lúdica por uma pessoa com o defeito "x" ou "y" que enxergamos tão claramente. São tão irritantes! Insuportáveis!
Por um lado foi bom saber que eu não sou a única que penso assim (que falta coragem em muita gente para VIVER, e por conseguinte, AMAR)... Por outro lado foi deprimente. Então é isso mesmo! A maioria das pessoas se borra de medo de ser feliz, de mudar, de arriscar, de ousar. Estas pessoas preferem uma vida comum (ordinária, nesse sentido) do que uma reviravolta de 360 graus!? Essas pessoas têm um freio ABS hidráulico ultra hiper extra mega blaster sensível que as impede de se jogar, se apaixonar, amar, se envolver. Essas pessoas são COVARDES. E elas odeiam isso. E elas se ressentem por serem assim. E elas descontam a frustração de se sentirem assim em cima exatamente de quem mais as fazem recordar que são assim... Aqueles mongóis debilóides que estão com um sorriso do tamanho do mundo e os braços abertos esticados esperando que elas corram aos seus encontros em loucas aventuras românticas. Nooooossa... Alguém pare o mundo que eu quero descer!
Mas vamos voltar ao nosso vídeo.
Então. Como é o comportamento de alguém que realmente pretende ir até o desconhecido lugar "maravilhoso" descobrir o que realmente se passa lá? Vou fazer uma historinha.
Um casal combina de ir até esse lugar. Estão empolgadíssimos! Altos planos! Chegando lá vai ser assim, assado... coisa e tal! Vamos ter filhos, netos, voar de balão, ter uma casinha amarela, um cachorro! Uau! Vai ser muito show! Tá bom...
- "Olha.. mas lá é o seguinte... não pode levar mala nem cuia, nem nada. Só deixam você entrar com a roupa do corpo. O máximo que se recomenda é uma garrafinha de água, porque é um oásis no meio de um deserto. Beleza?"
- "Belezinha da Creuza! Tudo certo!"
- "Então, fechou! Vamos ali na banca comprar duas garrafinhas de água que aí é só arrumar uma carona e partiu!"
- "Iiih... sabe o que é, amor? Essas garrafinhas de água não são mutio resistentes. Você falou que atravessa um deserto, né? Melhor ir no WalMart e comprar uma garrafa térmica... né não? Soube que vai ter uma promoção boa na parte de camping daqui a dois meses! Tem um amigo meu que trabalha lá, rapaz! É certeza isso!"
- "Poxa, amor! Dois meses? Compra a garrafa térmica ali no Extra mesmo, ou sem ser na promoção! Pra quê promoção se você vai embora e vai largar seu dinheiro, sua conta, tudo seu aqui? Ninguém volta de lá... Vai ficar tudo bem. Bora simbora, homem! Desanima não! Segura aí que eu vou pegar a minha ali na banca..."
....
- "Olha, amor... comprei duas... uma pra você e uma pra mim! Assim se aparecer uma carona e você quiser ir, já tem garrafa. Você vai lá no Extra mesmo? No WalMart? Como é?"
- "Pow, princesa.. leva a mal não... Esse lance de você comprar a garrafinha... tô me sentindo pressionado. Não gosto disso não. Eu tô pensando aqui... Porque o vencimento do meu cartão não tá bom pra comprar uma garrafinha agora..."
- "Caramba. Não quis pressionar. Quis ser gentil. Olha.. pega aqui cinquenta contos. Compra lá sua garrafa. Pra onde eu vou num preciso de dinheiro. Num sei porque danado você tá preocupado com vencimento de cartão se a gente tá indo embora, pouxa... Vida nova!"
- "Huuum... Obrigado... é... ok... "
Nisso passa um carro de um colega, que tá indo pras bandas do deserto... e oferece carona. A menina doida pra ir.. mas o cara tá naquela.. querendo a garrafinha térmica... e eles acabam perdendo a carona. Os dois se despedem e ficam de se encontrar no dia seguinte, quando o rapaz tiver comprado a tal garrafinha. No dia seguinte, não deu tempo... alguma reunião, alguma coisa inadiável. Beleza. Fica pra dali a dois dias. Na data combinada... nada.... A cor da garrafa que tinha na loja do modelo que ele gostou não era a cor "da sorte"!!!
Pra encurtar, em um mês a garota cansa e vai embora sozinha com a garrafinha descartável que comprou no primeiro dia. Triste, tendo "perdido" um mês enquanto esperava que o cara de quem ela achava que gostava se organizasse, pra no final das contas, levar um monte de desculpa esfarrapada e perceber que ele nunca poderia acompanhá-la... que eram muito diferentes e que ele não quis se abrir com ela. Na verdade... ele nem era o cara de quem ela gostava, ela gostava de um cara que não existia... Se ela o criou sozinha ou se com a ajuda dele... Bom... qual a importância disso agora?
O cara da garrafinha térmica até hoje não comprou a garrafinha. Nunca mais ouviu notícias da menina.
Tem gente que não consegue assumir nem pra si e nem pros outros o quanto se apavora diante das mudanças. Primeiro são as desculpas esfarrapadas... pra ganhar/perder tempo... pra se organizar... pra planejar.... depois começa a vir a impaciência. A raiva daquele outro que lhe faz ter que se confrontar constantemente com essa sua fraqueza - que você não gosta de ter. Sim! Porque ninguém gosta de ter fraquezas e todos temos. Só que são fraquezas diferentes. O convívio com as pessoas que nos fazem conscientes de nossas fraquezas é extremamente doloroso e difícil. Pra ambos.
Minha mãe me diz uma coisa que se provou muito verdadeira: "Quem quer fazer algo, vai lá e faz. Não fica nem oferecendo, nem perguntando, nem mesmo fala! Sem avisar, vai lá e faz."
Ainda não terminei o livro do Dr. Gikovate... mas até ele, com sei lá quantos anos e mais de 2 mil casos (se não me engano) tem dificuldade de definir certas coisas nas relações interpessoais. Somos uns bichos muito complicados, o bicho-gente. Não duvido de que criemos isso que o Giko chama de fator antiamor para nos mantermos "seguros", pelo menos a uma distância "segura" dos outros. Focamos nas coisas ruins. Pronto.
Se nos relacionamos com pessoas diferentes de nós, o que ocorre na maioria esmagadora dos casos, criamos relações viciadas, que Giko chama de "relação entre um generoso e um egoísta", e depois punimos ao outro - e ele a nós - pelo tempo em que aguentarmos viver juntos. A coisa é frustrante a ponto de depois de ANOS de trabalho e estudo o cara - Gikovate - dizer numa entrevista à Veja: se você está sozinho e consegue ficar assim, fique! Não case. Gente... o psiquiatra do amor desistiu do amor. Ele disse que o amor romântico está condenado de morte e que só 5% dos casamentos escapa imune à infelicidade conjugal. É muito sério isso. Muito!
Relacionamentos entre semelhantes podem funcionar. É o que ele defende. Eu me pergunto... Se ele estiver certo... quando as pessoas mergulham em relacionamentos com opostos, então, e iniciam este ciclo sado-masoquista, estão se punindo também por inflingir sofrimento ao outro e por se submeterem ao uma relação que nasceu fadada ao insucesso? Como pode haver tanta inveja dentro do relacionamento amoroso? Como o inconsciente pode nos ludibriar dessa forma? Vi uma descrição do inconsciente que me capturou: "é quando o sofrimento e a dor são grandes demais para que possamos suportá-los, então os exilamos no inconsciente". É tão trágico, é devassador!
Só dois semelhantes pegariam suas garrafinhas plásticas na banca e iriam juntos ao fim do mundo? Só dois semelhantes mentiriam juntos que o melhor era esperar pela promoção de garrafas térmicas no ano de 2050 quando a tecnologia permitiria à própria garrafa transformar areia em água fria?
O exemplo que dei acima se aplica a qualquer casal! As vezes, o importante nem é sair correndo em direção ao deserto... é ser honesto... dar ao outro a oportunidade de escolher como lidar com a situação. "Olha, meu bem, é o seguinte... se quiser tentar se entender comigo, bora... mas eu não me jogo numa aventura ao desconhecido com uma garrafinha plástica na mão nem a pau!" Pronto! Mas estamos com medo o tempo todo. Medo de sermos rejeitados.. de sermos felizes... de fracassarmos... de sermos bem sucedidos... de amarmos.. de sermos amados... de tentarmos... de não tentarmos... de mudarmos... de não mudarmos nunca!...
No fim, segundo minha opinião, e também conforme meu colega Giko... a maioria das pessoas opta pela segurança do conhecido. Escolhe ficar como está... de preferência rejeitando do que sendo rejeitado. Para essas pessoas o negócio é correr e dispensar o outro antes que ele descubra que fraude ela é e a mande catar coquinho. Ou então a insegurança é tão grande e a estima tão baixa que ficam com mania de perseguição, ciúmes, síndrome do "corno precoce" à la peru de Natal! "Vou acabar o relacionamento antes de levar um par de chifres porque sou muito esperto!" E então... a perspectiva é terminar seus dias em processo de negação, tentando se convencer de que não fez a maior cagada da vida e de que está óóótimo e em paz com suas escolhas. Maior mentira! Bullshit.
Não ter uma vida marcante é uma escolha que pode marcar bem mais do que se imagina. Não sei se existe nada tão amargo quanto a mediocridade ou um som mais perturbador do que o silêncio.
Mas não há muito o que fazer. A não ser que a pessoa passe por um processo intenso de auto transformação consciente, se conhecendo e se burilando, esta (se retrair, se afastar) seria a escolha mais sensata mesmo. Mais cedo ou mais tarde a corda iria romper. Ser impetuoso é uma constante, não uma variável. Quem é assim transpira intensidade, vigor, desafio. Não é um estilo de vida suportável pra outra pessoa que pretende estar calculado tudo a toda hora e que não se dá bem com a ousadia. Mais cedo ou mais tarde o covarde seria descoberto e o ousado perderia o interesse, sentiria uma espécie de desprezo. Não é possível camuflar quem realmente somos por muito tempo. É tudo tão difícil e tão triste. Seria tão bom se pudéssemos mudar as pessoas... mas não podemos. Ninguém muda ninguém.
Apesar de muita gente acreditar que os opostos se atraem, certas diferenças são inconciliáveis (daí porque Giko não recomenda que nos comparemos a pólos magnéticos...)
Giko disse uma coisa interessante. Chata e incômoda pra mim, que não gosto nem um pouco que ele defenda a extinção do amor romântico, mas interessante. Ele disse que as pessoas estão aprendendo a ser sós, aprendendo a ser inteiras, apesar de sós. É que ele evoca o mito de Platão, das metades... de que seríamos metades em busca da nossa completude... bom... evoca e depois "desevoca", porque diz que estamos aprendendo a ser inteiros ao invés de ser metades, mesmo sozinhos.
Diante disso, podemos optar por continuamos sozinhos ou esperar até que surja alguém parecido conosco. De todo modo, em sendo pessoas inteiras, nossas relações seriam mais saudáveis, especialmente com outras pessoas também inteiras, eu suponho, porque não precisariam que nós as completássemos e nem precisaríamos ser completados por elas.
Sem dúvida isso aniquila o romantismo. Mas não vamos sentir falta de sermos necessários ao outro para que ele (e também nós) estejamos completos? Seremos duas pessoas ao invés de uma?... Ou uma e meia...? Levará vantagem quem estiver completo e também completando? Será? Será vantagem? Ter um dependente não compromete a individualidade tanto quanto depender? Onde todas essas teses e antíteses irão chegar? E na hora em que você se apaixonar... qual a importância de tudo isso?
Nenhuma.
Teses sobre o amor, sobre a paixão, sobre o individualismo, perdoem-me os estudiosos, especialmente Gikinho, são para os desiludidos. Depois de escrever taaanto, cheguei a esta e a nenhuma outra conclusão. E eu sou uma mulher de teses. Muitas teses...
Precisamos entender, explicar, rotular, refletir, compartilhar e convencer nossos interlocutores da fluência, eloquência e pertinência de nossas teses pra nos sentirmos menos sozinhos. No final de tudo, a culpa é da solidão, mais da "sozinhez" do que da solidão propriamente dita...
Queremos pertencer ao menos ao grupo dos que entendem que o amor não tem mais jeito... ou se tiver... raramente acontece... e se acontecer... pode ser que ainda vá ser comigo... e se não for... não é culpa minha.
Por mais que estejamos absolutamente certos, e devemos estar mesmo, porque faz perfeito sentido, isso não muda o fato de que o egoísta partiu nosso coração ou que o covarde nos abandonou na estação de trem.
Não muda o fato de que apenas 5% dos casamentos dão certo (no sentido de serem felizes e saudáveis, e não de que não terminaram em divórcio) porque são entre pessoas semelhantes... e nem põe fim à marchinha fúnebre que as bandas começam a tocar em honra do amor romântico que agoniza no leito de morte.
Estamos perfeitamente certos... aprendemos a nos fazer companhia... vamos ao cinema, cozinhamos, lemos bons livros, temos amigos e um trabalho que nos supre. Frequentamos a academia, escrevemos, cuidamos das nossas unhas e cabelos... tudo o que depende de nós, nós fazemos.
O que não depende. Teorizamos.
E esperamos. É o que nos resta. Ou aceitamos que iremos ficar sós ou esperamos por alguém que não apenas "sirva" para tampar a nossa panela, mas que tenha sido feito sob medida pra ela.
Mas uma coisa me conforta: meu Abba. Ele sabe o que faz e ele cuida de todos nós. Ele alimenta os pássaros, veste as flores e cuida de todos os filhos... os que sabem amar e os que não sabem. No fim de tudo, onde todas as teses são finitas, felizes são aqueles que possuem fé.